Leituras de férias, uma nova enquete

Pintura de Arcimboldo

Caros leitores,

Este post, com o qual reativo o Prefácio para o segundo semestre, tem exclusivamente a finalidade de servir como um fórum sobre leituras de férias, aquelas que fazemos por puro prazer e lazer, sem qualquer preocupação com as exigências (as boas e as ruins) de nossa vida profissional ou acadêmica.

O espaço de comentários, portanto, terá mais importância do que o post em si: deve ser usado e abusado para que haja uma troca interessante de impressões (breves ou longas) de leituras.

Mas deixo, antes de tudo, o registro das minhas, as leituras que eu fiz nestas férias de julho.

São as seguintes.

1. A Louca (Dix Editorial, 2007), de meu amigo e colega de trabalho Del Candeias. Li esse livro num misto de prazer e orgulho. Prazer porque o livro é uma maravilha estética e orgulho porque sou amigo dele, e é bom demais admirarmos esteticamente quem já estimamos pessoalmente.

A Louca é um romance que aborda de modo aberto, autêntico, criativo e divertido o universo da boate de maior reputação da cultura underground da São Paulo dos anos 90/2000: A Lôca.

Ao mesmo tempo em que caracteriza a boate de modo exímio, Del também (ele sabe que seria preciso fazer isso) amplia suas significações particulares de modo a apresentar-nos o universo das principais pulsões do mal-estar contemporâneo. No fim, não temos apenas um conjunto de impressões parciais, mas um bom parâmetro para entender a condição subjetiva deste início de século, em que as relações humanas se complexificam de modo vertiginoso.[1]

Além do charme de retomar de modo inteligentíssimo velhos ritmos, estilos, motivos e situações de autores clássicos – como Raul Pompeia, Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Cruz e Sousa e Guimarães Rosa, – em paródias inesperadas e deliciosas, A Louca certamente pode se transformar (os futuros leitores dirão) num parâmetro altamente qualificado para fixação de um modo de ser de uma das maiores cidades do mundo.[2]

 2. Pai (Editora Terceiro Nome, 2006). Um texto forte, impactante, poderoso, na trilha da Carta ao pai de Kafka. A autora é a importante atriz brasileira Cristina Mutarelli, que se não me engano tem nesse livro sua única publicação literária. Mereceria mais. Em prosa fluida e agradável – um monólogo, como ela mesma o caracteriza -, a autora aborda o conflituoso labirinto das relações entre pais e filhos.

 3. Golpe de ar (Editora 34, 2009), de Fabrício Corsaletti. Uma prosa deliciosa, onírica, que parece ter sido escrita nos anos 60, pela sensação de liberdade e pelo frescor que sugere.

4. Releituras de textos de Tchekhov das coletâneas A dama do cachorrinho e outros contos (Editora 34, 1999) e O beijo e outras histórias (Editora 34, 2006). É sempre bom voltar a um dos maiores mestres da narrativa de toda a literatura universal. Em meu reencontro com esses textos, destaco Uma história enfadonha, Ventoinha e Um caso clínico, que para mim estão entre as melhores narrativas de Tchekhov.

Bem, agora o espaço é do leitor.


[1] Quanto mais avançam as conquistas das formas plurais de sexualidade, afetividade e formação familiar no Brasil – como se percebe pela ampliação da Lei da União Estável para pessoas do mesmo sexo ou pelo imenso sucesso da Parada Gay –, mais se mostram violentas e incisivas as reações moralistas, preconceituosas e repressoras – seja nas sucessivas agressões físicas registradas quase rotineiramente em São Paulo, seja na lei do vereador evangélico Carlos Apolinário (DEM), já aprovada na Câmara, como uma das muitas provas da incapacidade paulista de superar sua tendência ao conservadorismo. Num contexto como esse, a abordagem destemida da complexidade de nossos labirintos afetivo-sexuais torna ainda mais louvável e fundamental um livro como o de Del Candeias.

[2] Considere-se o fato de que São Paulo tem sido comentada na imprensa nacional e internacional como uma das mais ricas “cenas cosmopolitas” da atualidade.