Retorno das férias: e as leituras

Foram muitas, essa é a verdade, caros leitores, as leituras de dezembro e janeiro.

Comecei o percurso lendo os poemas de Outro dia de folia, de Eduardo Lacerda, editor da Patuá, amigo meu e, segundo sua maior mentira, um não-poeta. Antes todos os poetas fossem não-poetas como ele!

folia

 

Os poemas de Eduardo Lacerda combinam bem o trabalho da lapidação, do cuidado na escolha com o efeito de espontaneidade, a impressão de um feliz acaso.

O eu-lírico, satírico, delicado ou melancólico, conduz o leitor para um abismo de dúvidas e desalentos, deixando escapar, na maior parte das vezes, um irresistível risinho de tudo.

 

Depois vieram as leituras teóricas.

Primeiramente, o brilhante livro de ensaios Cultura e sociedade no Brasil, de Carlos Nelson Coutinho (editora Expressão Popular). Uma abordagem lúcida e esclarecedora do processo de formação de nossa cultura, abordagem por vezes vinculada diretamente a escritores fundamentais para a construção do elemento “nacional-popular” na literatura brasileira, como Lima Barreto e Graciliano Ramos.  Leitura formativa, importantíssima.

Em segundo lugar, li Graciliano Ramos: um escritor personagem, de Maria Izabel Brunacci (editora Autêntica). Obra importante que relaciona as formas literárias do autor às estruturas sociais direta ou indiretamente vinculadas a elas. As reflexões sobre a particularidade da modernização no Brasil – seguindo a trilha de Sérgio Buarque de Holanda – são também significativas e dão boas lições.

Ainda no tópico Graciliano Ramos, tive a oportunidade de ler o livro Retrato fragmentado (editora Globo), de Ricardo Ramos, biografia de rara beleza e intensidade. Os “cacos” de memórias do filho de Graciliano oferecem-nos, em seu conjunto,  uma visão complexa e desmitificadora do escritor alagoano a partir de uma visão “de dentro” e portanto, muito especial. Alguns aspectos pessoais de Graciliano são, para seus leitores inveterados, imperdíveis.

retrato

Quem me instigou a ler o livro foi ninguém menos que Ricardo Ramos Filho, criatura gentilíssima, com quem tenho a honra de compor um grupo de estudos sobre a obra de Graciliano Ramos lá na USP. Bela dica, Ricardo, finalmente saldei minha dívida com essa leitura obrigatória.

Entre as muitas descobertas, o livro de Ricardo Ramos me fez conhecer um Graciliano apaixonado pela prosa de Marques Rebelo. Era o que faltava para fechar meu percurso de férias: li Os melhores contos de Marques Rebelo (editora Global).

Uma surpresa, uma grata surpresa tomar contato com a prosa tão viva do escritor carioca, uma espécie de Machado de Assis com frescor modernista.

rebelo

As narrativas de Rebelo conduzem o leitor pelo Rio de Janeiro dos anos 30 e 40 de modo tão vivo e realista que é inevitável a sensação de deslocamento no espaço e no tempo.

Destaco os contos Oscarina Estela me abriu a porta, que passaram a fazer parte definitivamente do que conheço de melhor na prosa em língua portuguesa. Um espetáculo narrativo! Cativante, divertido e comovente.

 

Não é à toa que o velho Graça dedicou-lhe tantos elogios.

E vocês, queridos leitores, o que têm a dizer desta vez ao Prefácio?

Saída para as férias

LIVROS NA PRAIA

A partir de hoje o Prefácio entra em férias.

A mala de livros já está quase pronta. Muita coisa de e sobre Graciliano Ramos e, se ainda tiver tempo, lerei autores brasileiros contemporâneos e saudarei uma dívida que venho arrastando desde 201o com Marques Rebelo.

Mais uma vez o Prefácio dedica o primeiro e-mail de retorno às atividades –  isso para os que seguem o calendário de colégio e universidade – com um fórum sobre leituras. Os que trabalham em outro calendário e terão férias menores ou apenas os feriados das festas, estão convidados também a participar, é claro.

Segue a pergunta direta, para ser respondida no fim de janeiro:

O que você andou lendo nestas férias? 

Meus sinceros agradecimentos aos que acompanharam os posts deste ano. Fica o convite reiterado para mais encontros por aqui.

Boas festas, com o significado que elas tiverem para cada um de vocês.

Leituras de férias

Como é tradição do Prefácio,  retorno das férias comentando as leituras que fiz no período em que andei afastado das atividades docentes.

Dessa vez foram leituras dedicadas a escritores estrangeiros de língua portuguesa.

Comecei por Predadores, do angolano Pepetela, publicado pela Língua Geral na coleção Ponta-de-Lança (Rio de Janeiro, 2008).

Como já observei em outros posts, a leitura de textos escritos na língua portuguesa falada fora do eixo Brasil-Portugal já é, em si mesma, uma experiência fascinante, que ando procurando cultivar intensamente.

No caso da leitura de Predadores, o fascínio foi garantido com a ajuda da Língua Geral, cujo proposta se vê pela nota à edição:

“Respeitam-se integralmente, nesta edição brasileira de Predadores, as singularidades lexicais, ortográficas e sintáticas do português de Angola.”

O texto de Pepetela flui deliciosamente, seu exame psicológico em geral é convincente (algumas vezes incomodou-me o tom caricatural).

Predadores aborda a história recente de Angola – da descolonização à instauração do regime socialista – como um processo catastrófico que culimou no puro e simples favorecimento de grupos oportunistas, os quais se apropriaram da máquina do Estado para enriquecer, deixando à míngua os projetos revolucionários.

Numa máquina estatal burocrática, mantida por indivíduos preocupados exclusivamente em melhorar suas próprias condições, praticando para isso inclusive crimes graves, o sonho revolucionário se esvai e o espaço fica livre para os mais inescrupulosos interesses, como os de Vladimiro Caposso, protagonista do livro.

Para onde vão então – o leitor se pergunta – os sonhos revolucionários que animaram, não só Angola, mas boa parte daquela África que se descolonizava e buscava encontrar, aos trancos e barrancos, mas com esperança, um destino mais humano?

Na trama de Predadores alguns indivíduos continuam defendendo ideais humanitários; mas suas ações isoladas, embora persistentes, não conseguem converter-se num projeto. No fundo, são apenas gestos que confirmam o diagnóstico que o livro parece sustentar: o de que intenções humanitárias não combinam com Estados socialistas.

O livro me deixou intrigado, indeciso, e até desconfiado, com a mesma reação que tive com outras obras que procuram examinar criticamente as experiências do que se convencionou chamar “socialismo real”: o filme A vida dos outros (2006), do diretor alemão Florian Henckel von Donnersmarck, o livro Libertação, do escritor húngaro Sándor Márai (que, embora em 1945, foi publicado somente após a morte do autor, em 1989).

Questões que me surgem depois de conhecer obras como essas: será que as populações pobres de países como Hungria, Alemanha e Angola teriam alcançado melhores condições de vida sem a experiência do socialismo? Será que essa experiência (agora pensando particularmente no Leste Europeu) não foi a responsável por pautar de outro modo – mais crítico pelo menos – o destino desses países? Última pergunta – e talvez a mais importante: as populações pobres desses países ganharam melhores condições de vida depois da Queda do Muro? Parece-me que não, considerando o desmantelamento do estado de bem-estar social vivido por quase todos os países europeus.

Enfim, começo a pensar que, num mundo como o nosso – que cada vez abre menos espaço para a crítica às desigualdades estruturais produzidas pela lógica capitalista – a insistência em se associar comunismo a barbárie é um caminho simplificador e, convenhamos, bem conveniente para outros tantos ‘predadores’.

A minha segunda leitura de férias foi O ano da morte de Ricardo Reis (1984), de José Saramago.

O autor português, como muitos sabem, sempre exigiu que as edições de sua obra no Brasil saíssem sem qualquer revisão, de modo que ler Saramago significa sempre entrar em contato com um dos mais gloriosos prazeres literários para um leitor brasileiro: o duplo movimento identificação-diferenciação, o de transportar-se para outra língua sem sair da sua.

Minha paixão pela literatura desse autor surgiu exatamente há vinte anos, em 1992, quando O evangelho segundo Jesus Cristo era quase moda entre alguns círculos de leitores. A paixão se confirmou logo depois, com a leitura de Manual de pintura e caligrafia e, mais recentemente, com O memorial do convento.

Para os leitores de Fernando Pessoa, O ano da morte de Ricardo Reis pode ser um verdadeiro fetiche. Saramago – num desafio ousado, do qual, acredito, sai vitorioso – procura dar continuidade  à história do heterônimo pessoano. Vejamos que jogo intricado é esse: um ser inventado (Ricardo Reis) teve a sua não-vida inconclusa pelas mãos de seu criador (Fernando Pessoa). Outro criador (José Saramago) tomou para si a missão de reanimar essa não-vida para dar-lhe de volta aquilo que ela sempre teve: uma vida apenas literária. A lógica se complexifica ainda mais quando levamos em conta que: a personagem Ricardo Reis no livro de Saramago é, fundamentalmente, um não-ser, alguém apartado do que existe à sua volta. Uma personagem que procura o tempo todo alhear-se de tudo o que venha a pesar sobre seus ombros, num estoicismo egocêntrico e mesmo doentio.

Vertiginoso? Sim, e ainda mais quando se vê que a intenção fundamental de Saramago é desafiar a impassibilidade desse ser, atirando-o contra a força da mundanidade, com toda sua violência e prazer:  como se quisesse dar-lhe vida (humana) finalmente.

Vertiginoso? E mais ainda se considerarmos que a sintaxe saramaguiana são como corredores compridos ou escadas encaracoladas que perdemos o fôlego para percorrer, e de onde não se sai tão facilmente.

Sim, e também é vertiginoso ver Ricardo Reis encontrando Fernando Pessoa, que existiu de facto, mas que, no tempo da narrativa, está morto. Ou seja: o não-ser (que nunca existiu) dialoga com um ser (que existiu) morto.

É supreendente a naturalidade com que Saramago – em sua fingida imparcialidade, com aquele risinho machadiano que  escapa sobretudo ao final dos períodos – aborda a diferença entre a vida e a morte – uma diferença mínima; ele nos parece dizer algo como: a diferença que separa um homem vivo de um morto não é maior do que a que separa um homem vivo de outro homem vivo.

Também é surpreendente a relação que Saramago estabelece entre as convicções monarquistas de Ricardo Reis e o contexto da ascensão do fascismo na Península Ibérica e Europa como um todo – relação que talvez seja uma das razões de ser do livro de Saramago.

Sair desse livro e querer voltar para as páginas da história do Salazarismo é quase inevitável. É também inevitável revisitar, não só a obra de Ricardo Reis, mas de todo o Fernando Pessoa, coisa que vem sempre a calhar.

É isso. Fico por aqui.

Como prometido, registrei minhas leituras de férias com breve impressões a respeito.

Deixo agora a palavra com o leitor: para que registre, nos comentários, suas leituras de férias, como no semestre passado, formando uma espécie de fórum.

Em tempo:

– as fotos espalhadas pelo post são de André Kertèsz, que publicou em 1971 o livro On reading: são flagrantes de pessoas lendo, em diversas posições e situações.

– que este ano de Drummond (nascido em 1902) e da Semana de 22 (que completa seus 90 anos), seja também o ano de muitas leituras, grandes experiências estéticas e muitas aprendizagens.

Abraço a todos.

NOTA: Li somente depois de ter postado o texto, no Estadão de hoje, que o famoso crítico Massaud Moisés acredita que a ideologia em Saramago limitou sua literatura. Respeito demais a erudição do Prof. Massaud Moisés, cujos manuais sempre me ajudaram muito, mas, sinceramente, não consigo ver o homem senão como ser ideológico. Negar a ideologia é, para mim, como negar a racionalidade ou a subjetividade. É uma batalha (positivista ou neoclássica) perdida. Ficaria mais bonito, para o universo das Musas, se Saramago, em vez de ideologia (vermelha!) tivesse ‘cosmovisão’? Poxa, mas aí chama o Bilac, por favor.

Leituras de férias, uma nova enquete

Pintura de Arcimboldo

Caros leitores,

Este post, com o qual reativo o Prefácio para o segundo semestre, tem exclusivamente a finalidade de servir como um fórum sobre leituras de férias, aquelas que fazemos por puro prazer e lazer, sem qualquer preocupação com as exigências (as boas e as ruins) de nossa vida profissional ou acadêmica.

O espaço de comentários, portanto, terá mais importância do que o post em si: deve ser usado e abusado para que haja uma troca interessante de impressões (breves ou longas) de leituras.

Mas deixo, antes de tudo, o registro das minhas, as leituras que eu fiz nestas férias de julho.

São as seguintes.

1. A Louca (Dix Editorial, 2007), de meu amigo e colega de trabalho Del Candeias. Li esse livro num misto de prazer e orgulho. Prazer porque o livro é uma maravilha estética e orgulho porque sou amigo dele, e é bom demais admirarmos esteticamente quem já estimamos pessoalmente.

A Louca é um romance que aborda de modo aberto, autêntico, criativo e divertido o universo da boate de maior reputação da cultura underground da São Paulo dos anos 90/2000: A Lôca.

Ao mesmo tempo em que caracteriza a boate de modo exímio, Del também (ele sabe que seria preciso fazer isso) amplia suas significações particulares de modo a apresentar-nos o universo das principais pulsões do mal-estar contemporâneo. No fim, não temos apenas um conjunto de impressões parciais, mas um bom parâmetro para entender a condição subjetiva deste início de século, em que as relações humanas se complexificam de modo vertiginoso.[1]

Além do charme de retomar de modo inteligentíssimo velhos ritmos, estilos, motivos e situações de autores clássicos – como Raul Pompeia, Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Cruz e Sousa e Guimarães Rosa, – em paródias inesperadas e deliciosas, A Louca certamente pode se transformar (os futuros leitores dirão) num parâmetro altamente qualificado para fixação de um modo de ser de uma das maiores cidades do mundo.[2]

 2. Pai (Editora Terceiro Nome, 2006). Um texto forte, impactante, poderoso, na trilha da Carta ao pai de Kafka. A autora é a importante atriz brasileira Cristina Mutarelli, que se não me engano tem nesse livro sua única publicação literária. Mereceria mais. Em prosa fluida e agradável – um monólogo, como ela mesma o caracteriza -, a autora aborda o conflituoso labirinto das relações entre pais e filhos.

 3. Golpe de ar (Editora 34, 2009), de Fabrício Corsaletti. Uma prosa deliciosa, onírica, que parece ter sido escrita nos anos 60, pela sensação de liberdade e pelo frescor que sugere.

4. Releituras de textos de Tchekhov das coletâneas A dama do cachorrinho e outros contos (Editora 34, 1999) e O beijo e outras histórias (Editora 34, 2006). É sempre bom voltar a um dos maiores mestres da narrativa de toda a literatura universal. Em meu reencontro com esses textos, destaco Uma história enfadonha, Ventoinha e Um caso clínico, que para mim estão entre as melhores narrativas de Tchekhov.

Bem, agora o espaço é do leitor.


[1] Quanto mais avançam as conquistas das formas plurais de sexualidade, afetividade e formação familiar no Brasil – como se percebe pela ampliação da Lei da União Estável para pessoas do mesmo sexo ou pelo imenso sucesso da Parada Gay –, mais se mostram violentas e incisivas as reações moralistas, preconceituosas e repressoras – seja nas sucessivas agressões físicas registradas quase rotineiramente em São Paulo, seja na lei do vereador evangélico Carlos Apolinário (DEM), já aprovada na Câmara, como uma das muitas provas da incapacidade paulista de superar sua tendência ao conservadorismo. Num contexto como esse, a abordagem destemida da complexidade de nossos labirintos afetivo-sexuais torna ainda mais louvável e fundamental um livro como o de Del Candeias.

[2] Considere-se o fato de que São Paulo tem sido comentada na imprensa nacional e internacional como uma das mais ricas “cenas cosmopolitas” da atualidade.

Leituras de férias: quais foram as suas?

Caros leitores, de volta à ativa depois das férias de janeiro, desejo a todos um bom 2011: que seja um ano pleno de leituras, aprendizagens e experiências estéticas significativas.

Dedico este post à continuidade da conversa sobre leitura nas férias – as minhas e as suas leituras –, com a intenção de gerar o mesmo espírito de debate e compartilhamento de impressões que surgiu com o texto do dia 09 de dezembro.

Como havia suspeitado àquela altura, depois de ler Bartleby, finquei meus pés no século XIX e aventurei-me pelo solo russo: li então, pela primeira vez, A morte de Ivan Ilicht, de Liev Tolstói.

Foi uma experiência inesquecível, sobre a qual comentarei em breve, aguardem.

Bem, este post só serviu para anunciar a retomada do Prefácio e abrir o diálogo a partir da pergunta:

Quais foram suas leituras de férias?

Registrem suas impressões, para que a conversa fique rica, e para que possamos gerar um outro “fórum” de leitores.

Um abraço e esperem pelo novo post.

A clássica "Leitura" de Almeida Júnior (1892), que faz parte do acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo

Literatura sem bijuterias

Ainda no assunto leituras de férias, acabei de ler ontem O velho Graça, de Dênis de Morais, uma biografia sobre Graciliano Ramos, escritor que venho há anos relendo e estudando, principalmente seu romance Angústia.

Notícias sobre o livro de Morais. É uma obra tocante e admirável, fruto de pesquisa cuidadosíssima e de intensa sensibilidade de leitor, como se espera de uma boa biografia:  sensível sem ser irresponsável e fundamentada sem ser fria. Morais consegue isso.

Abordando o homem e o artista Graciliano Ramos, o autor acaba construindo um panorama da primeira metade do século XX, no Brasil e no mundo.

Curioso como a vida de Graciliano pode ser dividida em duas partes, uma anterior à sua prisão,  quando era um autor praticamente desconhecido e vivia no Nordeste, a maior parte do tempo em cidades alagoanas como Palmeira dos Índios e Maceió e outra posterior à prisão, quando se instalou no Rio de Janeiro e ali começou uma existência mais cosmopolita, com ampla interlocução entre a intelectualidade da época, chegando mesmo, já no fim da vida, a conhecer a União Soviética, a França e a Argentina.

Na primeira fase Graciliano é o humanista apartidário, apenas simpático a ideias progressistas, concentrado em construir seus “bichos subterrâneos”, suas grandes obras de ficção em primeira pessoa: Caetés, São Bernardo e Angústia. Na segunda fase, é o simpatizante e o militante do PCB, autor de um romance em terceira pessoa e duas obras-primas da literatura memorialística: Infância e Memórias do cárcere, que mantêm a intensidade narrativa das obras de ficção, apenas tomando como protagonista a sua própria pessoa. Na primeira fase, Graciliano parece mais ocupado em conquistar seu espaço imaginativo, cultivando monstros pessoais, e depois, distanciado daquelas criaturas matutas, já contextualizado no ambiente urbano e fervilhante do Rio dos anos 30, 40 e 50, parece olhar para o sertão de modo mais distanciado, mesmo em Vidas secas, que ele narra em terceira pessoa, e o gênero das memórias atende perfeitamente à necessidade de recordar e reconstituir o que já não é palpável.

Tocante conhecer os arroubos afetuosos do homem à primeira vista carrancudo. Delicioso confirmar que sempre zelou pela dignidade e pela coerência e que nunca traiu suas convicções mais profundas. Triste vê-lo definhando, ao fim do livro, pobre como um pedinte, mas sempre ao lado da encantadora esposa Heloísa e de alguns de seus filhos, como o escritor Ricardo Ramos, que para mim é outro destaque na obra de Morais.

Fechei o livro ainda mais intrigado com a figura desse homem, meu escritor brasileiro predileto. E hoje, novamente remoendo esse espaço seco e arredio que é o universo de Graciliano Ramos, encontrei este vídeo e decidi postar aqui para que outros conheçam parte da vida desse autor decisivo na literatura e na história do Brasil.

Dados sobre o vídeo encontrados no excelente site Mídias na Educação – NCE – Vídeos (link neste blog):

Graciliano Ramos – literatura sem bijouterias
Documentário da série Mestres da Literatura da TV Escola. Via Domínio Público.

Sinopse
A trajetória de Graciliano Ramos, de prefeito de sua cidade natal até tornar-se escritor. As atribulações pessoais e políticas de Graciliano. Sua obra e seu estilo literário refinado, marcada pelo romance regionalista. O programa mostra uma análise sobre seu principal livro, Vidas Secas.

Ficha Técnica
Direção e roteiro: Hilton Lacerda
Produção: Malu Viana Batista
Realização: Pólo Imagem e TV PUC para a TV ESCOLA/MEC, 2001
Duração: 20’02”